22 de fevereiro de 2010

That day we meet.


Descansou a chícara sobre o pires e levantou os olhos. Olhos cansados e tristes. Vazios. Se encontrava em um cômodo não muito grande, bem aquecido e com pouca iluminação. Um café no interior da França onde se conheceram. Nevava muito naquele dia e era o único local onde poderia se aquecer, ou talvez não o único mas com certeza o mais próximo. Ele estava sentado à mesa ao lado e sorrira carinhosamente quando a viu se aquecendo perto da lareira. De fato, não o tinha notado quando entrou. – Que noite, ein. – veio, tão de repente, a voz dele cheia de calor, em inglês, e somente então seus olhos captaram o homem. Cabelos fracamente encaracolados, castanhos claro e um sorriso entretido. Usava um sobretudo de pele, que ela poderia julgar ser urso, real. – Gostaria de se juntar a mim? – perguntou apostando outro sorriso mais meigo. A testa dela se enrugou enquanto tirava o cachecol do pescoço. – Nos conhecemos? – perguntou observando aquele rosto que lhe parecia tão conhecido, e ao mesmo tempo, tão estranho. Será que já o vira antes pela França e não o reconhecera? – Não, deveriamos? – retrucou ele abrindo mais o sorriso. Ela estava começando a ficar confusa. Era um homem atraente, de fato. – Não, é que você falou muito naturalmente comigo. Como se me conhecesse. – respondeu virando-se para a lareira outra vez. – Gostaria de tomar algum coisa, sra? – uma voz feminina falando em francês, quase angelical, a fez virar os olhos e se deparar com uma adolescente de cabelos negros e olhos vivamente azuis. Devia ser garçonete. – Um chocolate quente, com uma grande camada de chantilly por cima. – respondeu observando a garota se dirigir ao balcão e repassar o pedido a um velho senhor, baixo e gordo. – E se eu realmente quisesse conhecer você? – inglês, mais uma vez. Ela jurava que mais uma troca de línguas e ficaria louca. Olhou para o rosto do homem, ou seria… rapaz?! – Por que iria querer me conhecer? – perguntou curiosa, e um pouco convencida. – Você me parece interessante. E é bonita, é um grande pulo. – Pulo? O que ele queria dizer com isso? Não devia conversar com estranhos, não em um local tão suspeito como aquele café. Ele podia ser qualquer pessoa, de psicopata à serial killer. – Não se preocupe, só quero uma companhia durante a nevasca. – disse rindo. Devia ter notado o desespero na face da recém formada médica. Ela hesitou de primeira, mas as intenções dele pareciam inocentes e claras. Não teria nada demais, teria?! Dando de ombros ela levantou-se, caminhou até a mesa onde ele estava e sentou-se na cadeira frontal, deixando seu casaco preso nas costas da cadeira. – Daniel. – disse ele estendendo a sua mão gentilmente. Os olhos dela caíram sobre a mão e em seguida a apertou decidida. – Anny. – respondeu cruzando as pernas e soltando a mão de Daniel. – Você é bonita. – disse ele e ela não conseguiu manter a máscara séria que até então trazia no rosto. Um sorriso tímido surgiu ali. A sua idéia era que não o visse nunca mais. Que seria somente uma companhia de nevasca. Mas algumas semanas depois eles se cruzaram em um Hotel de Paris. – Olá Cinderela. – brincou ele sorrindo de orelha a orelha e ela revirou os olhos, mas riu da brincadeira. – Por que Cinderela? – perguntou colocando as mãos nos bolsos do suéter vermelho. – Porque some depois do primeiro encontro. – Encontro?! Isso não devia ter a parte do convite e tudo mais? Por que ele achou que aquilo fosse um encontro? – E talvez isso pertença a você. – continuou tirando do bolso um lenço com as iniciais “A.M.”, e pertencia. – Como me achou? – perguntou Anny guardando o lenço em seu bolso e voltando a olhar para ele. Para seus olhos, mais exatamente. Aqueles olhos… não os tinha visto na escuridão daquele café. Verdes e fundos. Mais fundos do que qualquer oceano, qualquer infinito. Tinha algo neles que ela simplesmente não conseguia explicar nem para si. Não era ele que ela reconhecia naquela noite, eram os olhos dele. Já sonhara muitas vezes com aqueles olhos. Conhecimento, entretenimento, crença, beleza, fidelidade. O que aqueles olhos significavam? – Está me ouvindo? – perguntou ele procurando pelos pensamentos dela e a olhando confuso. – Ahn, desculpe, me distraí. Já volto. – respondeu Anny antes de adentrar no banheiro feminino que ficava à dois metros de onde estavam parados. Loira, olhos azuis, um pouco acima do peso, rosto cheio de sardas. Foi a imagem que apareceu em frente ao espelho. Estava confusa. Molhou o rosto e se olhou mais uma vez no espelho. Estava sem maquiagem. Blusa preta e calça jeans. Saiu do banheiro e encontrou aquela expressão perdida. – Está tudo bem? – perguntou preocupado. Ela balançou a cabeça positivamente e abriu um sorriso gentil. “I see the way he treats you, I feel the tears you cry” a música tocou nitidamente no restaurante. Eles se olhavam cautelosamente, sorrindo.  Daniel a puxou mais para perto. Tudo que fazia parecia ser pensado antes de efetuado. Teria medo de ser recusado ou levar um tapa no rosto? Porem ela não interferia em sua cautela, tinha medo também… Ambos os rostos se aproximaram e os lábios se tocaram com leveza. A mão dele delicadamente passou pelo rosto dela e fecharam os olhos. O beijo combinava. – Eu não quero me machucar mais uma vez. – ela lhe confessou entre beijos e conversas. Amou duas vezes em sua vida. Mas nunca dera certo até então. Mas ela não estava se atrevendo a começar a amá-lo logo de primeiro beijo, estava?! – Eu nunca lhe machucarei. – garantiu.

Ela levantou-se da cadeira. – Gostaria de tomar mais um chocolate, sra. Michaels? – perguntou a mesma garota de cabelos negros e olhos azuis, porém agora 4 anos mais velha. Anny lhe sorriu fracamente. – Por favor. – respondeu seguindo até a lareira e parou com os braços abraçando a parte anterior de seu corpo, se deixando perder naquela chama que efetuava sua dança com elegância. Quase um ano e meio juntos e um telefonema a acordou no meio da madrugada. – Anny... – a sua voz era chorosa. Aconteceu alguma coisa? Ele parecia completamente acabado. – Eles não me deixam, não me deixam. Eu temo que não podemos ficar juntos agora… Espere, espere algum tempo. Nós voltaremos. Eu voltarei. – disse ele em desespero. Mais uma noite mal dormida. Lágrimas, pensamentos de suicídio, mais lágrimas. O que seria agora? Como um beijo foi se tornar aquela obsessão, aquele amor intenso que ela se atrevia sentir? E agora um fim? Mas ela se recuperou, já sorria. – San Francisco. Ainda não a conheço pessoalmente, mas estou feliz com ela, acredito que posso me dar com ela. – explicou Daniel três meses depois sobre uma mulher que tinha conhecido por internet. Mais lágrimas no rosto de Anny. Sua boca se virava para falar dela, estava com ciúmes, definitivamente. “Calma, ele volta” pensou mais uma vez enterrando o rosto no travesseiro e adormecendo em suas amarguras. Alguns meses depois a cena se repetia. Seus lábios se tocaram outra vez. Aquele romance começou mais uma vez. Os sentimentos de Anny acordaram, a fizeram reviver o passado, sorrir, rir, sentir mais uma vez aquele calor que enchia seu peito de amor. Estava feliz outra vez. Seriam para sempre um agora. – Não sei se consigo arriscar. – Não, mais uma vez não, Daniel, pensava ela forjando um riso e dizendo que sabia que aconteceria isso. – Eu me odeio por te magoar, eu me odeio por não saber o que quero. – dizia ele, mas aquelas palavras não queriam dizer nada. Não diziam nada. Mais uma vez ela foi derrubada para a escuridão. Alguns dias depois a novidade chegava a seus ouvidos. San Francisco mais uma vez. DE NOVO?! Não, isso está virando uma fita arranhada, tinha algo errado. – Nós terminamos. – disse ele outra vez e lhe contou o que acontecia, o que lhe incomodava. Depois de tanto tempo sem se falarem, Daniel e Anny finalmente tiveram uma conversa decente. “Me desculpe” era o que ela sonhava em dizer para a garota de San Francisco. Anny não tinha o direito de ter pensado tudo o que pensou. Não tinha o direito de a odiar sem ao menos conhecê-la. “Me desculpe” ela pedia a Deus que ela escutasse sua oração.

- Aqui está. – disse a garota lhe entregando o chocolate com um fraco sorriso no rosto. – Obrigada. – agradeceu Anny segurando a caneca e sentando-se na poltrona mais próxima. O chocolate ainda estava quente. Soprou observando o vapor subir e sumir com a distância que se deslocava. Tomou um gole fechando os olhos. – Ele está namorando, Anny. – dizia Samantha meio cautelosa. A sua amiga de certa maneira virara melhor amiga dele.  Daniel contava tudo para ela, e por causa dela Anny estava sempre ciente do que acontecia. Ou não tão ciente. Ele estava incorporando em sua nova vida. Álcool, e drogas. O que acontecera com o Daniel que ela conheceu um dia? Que a controlava para ficarem sóbrios e lhe dizia que precisava controlar seus descontroles. Um ano de sumiço, de quietude. Sem novidades, sem agonias. Somente comentários inúteis e pensamentos da espera. Estava o esquecendo de pouco em pouco. Logo isso acabaria. Anny logo seria feliz com outra pessoa e lembraria de Daniel como mais um que apareceu em sua vida. Ela terminava de limpar a sua casa com um sorriso no rosto. O telefone tocou. Uma mensagem que mudaria tudo.

Tomou o último gole e virou seus olhos para a janela. Estava nevando, da mesma maneira como quando o conheceu. A neve cobria toda a rua e começava a tomar conta da janela também. A voz de sua amiga soava como uma alerta, tão nitidamente e gritante como naquele dia. Por que ela se desesperou tanto e não quis acreditar? A vida é finita. Mas não é algo que se escolhe terminar. Por que ele escolheu este caminho?! Não, ela não se perguntava mais, mas sentia falta dele. Por que? Um ano de sumiço não lhe fora o suficiente para esquecê-lo? Por que ainda se importava de achar que o amava? – Daniel, Daniel. – dizia ela entre soluços. – Sra Michaels, está tudo bem? – perguntou a menina. – Eu voltarei… ele prometeu. – cochichou ela antes de jogar alguns euros sob a mesinha e sair pela porta afora para a neve. – Por que diabos ele fora me dizer isso? – perguntava ela sem controle. Tropeçou e caiu sob a neve.  – Eu te amo. – cochichou, deixando mais lágrimas corroerem seu rosto.

16 de fevereiro de 2010

Gravity (8)

"Something always brings me back to you.
It never takes too long.
No matter what I say or do I'll still feel
You here 'til the moment I'm gone.
You hold me without touch.
You keep me without chains.
I never wanted anything so much than to drown in your love and
not feel your rain."


Sara Bareilles